sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Utopia e barbárie


O documentário de autoria de Silvio Tendler denota uma sinopse dos fatos estrangeiros e nacionais ocorridos desde a II Guerra até os dias atuais, perpassando pelos momentos-chave da história contemporânea do Brasil e do mundo. Sob essa perspectiva remete-nos a períodos tão delicados e notáveis como as revoluções de esquerda, as guerras de independência na África e na Ásia, a guerra do Vietnã, as ditaduras latino-americanas, a queda do muro de Berlim, os rebeldes anos 60, as Diretas Já, o governo Collor e a dispersão da globalização e do neoliberalismo. Noutras palavras: retrata as guerras, as revoluções e transformações que delas advieram, suas utopias e as barbáries sobrevindas.

Foram quase vinte anos, dos quais Tendler percorreu 15 países (França, Itália, Espanha, Canadá, EUA, Cuba, Vietnã, Israel, Palestina, Argentina, Chile, México, Uruguai, Venezuela e Brasil), onde reuniu documentos e depoimentos históricos de militares, dramaturgos, jornalistas, políticos, escritores, sobreviventes de guerra etc. "Utopia" e "barbárie" sob a ótica de Tendler mostram-se como movimentos que se complementam, sendo um sucessor do outro. Neste sentido sobreleva ressaltar o sonho de igualdade almejado pela Revolução Russa de 1917 que desencadeou no genocídio propagado por Stalin; o ideal do Brasil Novo encabeçado por Juscelino Kubitscheck e João Goulart que trouxe consigo a ditadura militar de 1964. 


O documentário se desenvolve por meio de figuras e imagens melancólicas, em cores ou em preto e branco, retiradas de uma admirável investigação. Há ainda uma profusão de depoimentos de intelectuais e cineastas como Eduardo Galeano, autor uruguaio de "As Veias Abertas da América Latina"; o poeta Amir Haddad; o dramaturgo Augusto Boal, e os cineastas Denys Arcand, Gillo Pontecorvo e Amos Gitai, vêm adicionar suas posições. Eles repensam os acertos e desacertos da era que visou transformar o mundo pelas ideias e pelas armas, revendo não somente as razões que ensejaram suas falhas como tentam entender a contemporaneidade. O documentário mostra-se  declaradamente de esquerda, não obstante arrisque escutar disposições opostas, a medida em que ouve combatentes da ditadura militar, como Dilma Roussef.   

O autor emprega diversos fragmentos de longas-metragens para elucidar inúmeras insurreições, por exemplo, "Roma Cidade Aberta" de Roberto Rossellini; "Campesinos", de Marta Rodriguez e Jorge Silva, documentário que aborda o modo como os grandes proprietários de terra estabelecem o seu costume e os conflitos em ocupações de terras, sobre os índios e campesinos; "Camilo Torre", de Bruno Muel e J.P. Sergent, sobre o padre católico e guerrilheiro colombiano; "The Black Panther Newsreel", que versa sobre registros históricos com entrevistas, audiências públicas e depoimentos de integrantes do grupo revolucionário Panteras Negras; "A Batalha de Argel", narra a luta pela independência da Argélia, que põe em combate o exército francês e a "Frente de Libertação", dirigido por Gillo Pontecorvo. O documentário "Setembro Chileno" de Bruno Muel, reproduzido por um longo período na obra, mostra-se como o mais impressionante ao descrever a tomada do poder pelo general Pinochet, demonstrando que a utopia existe, contudo, paga-se demasiadamente caro por ela. 

Silvio Tendler agrega subjetividade em seu filme, ao colocar em alguns períodos históricos fotos suas, bem como a narrativa em primeira pessoa nas vozes de Chico Diaz, Leticia Spiller ou Amir Haddad, de aproximadamente 70 anos de história. Em suma, por meio do documentário "Utopia e barbárie" procura-se entender o presente, com os olhos voltados ao passado.

"Há quem negue a existência dos campos de concentração, há quem justifique as bombas atômicas, há quem não reconheça a realidade de mais de 60 milhões de mortos na maior tragédia da humanidade..."

"...sonham com utopias futuras enquanto assistem passivamente pela televisão. Os massacres que se repetem todos os dias mundo afora. Auschwitz é aqui, hoje;Hiroshima é agora."

"Auschwitz é aqui, hoje; Hiroshima é agora".
"Hiroshima é agora".

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